Cartas de Formadores

Carta de agosto

Querido Gerardo,
És um romântico mesmo quando sou bruta contigo. Gritas que me amas, mesmo depois de te dizer que não preciso de ti. Que mentira desnecessária a minha. Mas sou agressiva contigo na esperança de te irritar e que sejas mesmo bruto comigo também.
Sabes onde? No quereres-me e saíres do papel para me possuíres à força, para me rasgares como uma a uma carta mal escrita e que nada nos diz.
Sonhei isto e não me resisti a pôr-te à prova. Sonhei que me esperavas à porta de casa numa noite em que chegava tarde e me obrigavas a deixar-te entrar. Sem perder tempo tiravas o teu casaco e quando eu pensava em cavalheirismo tiravas o meu casaco e a minha roupa, peça a peça. A minha timidez não te detinha, a tua determinação não me deixava resistir. Corei e balancei a anca sem saber como dançar. Sempre te imaginei a dançar a um slow, daqueles de aldeia, uma carta para cá uma carta para lá; mas os meus sonhos traíram a tua tranquilidade e vi-nos assim num tango cru, em que me mandavas só com os olhos e eu obedecia com todo o corpo.
Acordei suada e chocada com as minhas fantasias.
Gerardo, não te vou mentir: toquei-me e vi-me logo depois, não conseguiria dormir se assim não fosse. Deixei os meus dedos deslizar até ao meu botão, brinquei em círculos e em retas até sentir o coração aos pulos. Quando até a minha pele se arrepiava, fiz o dedo da outra mão entrar por mim adentro, descobrir as minhas entranhas e levar-me ao orgasmo. Um orgasmo puro e simples, rápido e quente como a noite de verão que me acordou.
Finalmente chegou o calor, pensas tu, meu amor. Eu só tenho a resposta do meu prazer, meu amante - finalmente chegaram-me os calores, os arrepios, as vontades que têm pressa. Para isto não há palavras que me arrefeçam.
Ao levantar, consultei a agenda e percebi que estava no ponto exato da minha ovulação. Podes pensar que não passou da biologia a mandar por mim. Ou podes correr para o meu corpo e vir partilhar o verão comigo.

Tua,


Ivone

(Carta escrita por Joana Almeida, formadora dos cursos “Escrita Erótica”. Este mês, não perca a resposta do Gerardo, escrita por outro formador.)


Carta de julho



@Ivone,

Os primeiros pensamentos que tive ao ler a tua última carta foram:
- Depois de me teres dito que não precisas de mim o que faço? Acabo já com tudo?
- Mas será que eu quero alguém que precise de mim, ou alguém que goste sem precisar?
- Precisar muito de alguém não será um bom começo para nada, sobretudo neste campo que é o @mor.
- Normalmente estas coisas da carência acabam mal.
- Pronto! Não me importo que não precises de mim!
Feita a reflexão, resolvi que queria continuar a insistir nesta «coisa» que temos. Não a sei caracterizar muito bem, mas penso que será muito próximo daquilo que se convencionou chamar @mor.
Desta vez escolhi o e-mail (os selos estão caros e cada vez há menos estações de Correios). Para além disso, continuo a deixar todos os dias uma mensagem no teu mural do Facebook.
Não tento suprir os nossos desencontros com as redes sociais, mas encontrei nelas mais uma forma de tentar chegar a ti e de mostrar aos outros que és a minha Ivone, aquela por quem estou disposto a esperar o tempo que for preciso à porta dos Pastéis de Belém ou naquele apartamento em Benfica.
No outro dia «postei» no teu mural um link do Youtube para a nossa canção. Lembras-te? «Love will tear us apart», será?
Confesso que, por vezes, as tuas viagens interiores me assustam.
Mas @mo-te.
Sim, de uma forma simples é isso, @mo-te e sinto a tua falta, física e virtualmente.
@mo-te, com @rroba e sem arroba, e quando voltares cá estarei. Venhas de ferry, de avião ou falar comigo nos Google Hangouts…

Beijos,


Gerardo.

(Carta escrita por Ana Pinto Martinho, formadora dos cursos “Escrever para a web” e de "Escrever nas redes sociais". Este mês, não perca a resposta da Gerardo, escrita por outro formador.)


Carta de junho




Querido Gerardo,

Que palavras são essas que ousais proferir! Que ímpeto doloroso é este que agora vibra no meu peito. Encherei a boca de cianeto antes de pensar que a distância que nos trunca nos afasta. E morrerei, verdejante, entre demónios; repousarei, eterna, junto de todos os amantes de sempre. Mas claro, nunca sem antes tomar o meu Centrum. 

Ontem sonhei-te de barco em Mar del Plata, correndo a fugir de uma tribo de troglodias. Procuravas tesouros que sabes nunca encontrar. Já o velho dizia que és a Fénix portenha.

Mas se me desprezas parto sozinha para Macondo, lá na minha terra é que se está bem. E desato a beber uma água de coco com Aureliano Buendia, embalada palas histórias de todas as Amarantas Úrsulas e Úrsulas desse planeta. São malta fixe mas um pouco confusa., sobretudo quando está a chover.

Eu gostava era de
- te dizer que há muito te espero, não em Belém
mas naquele apartamento em Benfica, onde o sol
- te dizer que há muito te espero, não na Trafaria
bate tanto como em África
(em África os pássaros não falam assim)

E finalmente, meto-me num comboio a atravessar o Texas, comendo cartão e brandindo Proust, enquanto uivo a todos os poetas da nossa geração: Jack, Allen  e William incluídos.

Como vês, não preciso de ti. Por isso, se quiseres, mete-te tu no ferry e traz um livro também. E se me amas, dá-me a mão e aceita um mergulho refrescante no meu mundo interior.

Tua sempre, em plena esquizofrenia literária,
Ivone


(Carta escrita por Teresa Lopes Vieira, formadora dos cursos “Escrever um livro: por onde começar? - Nível I” e de "Oficina de Romancistas:dos clássicos ao estilo literário". Este mês, não perca a resposta da Gerardo, escrita por outro formador.)


Lisboa, abril de 2013

Querid’Ivone

Só estás longe porque não quiseste apanhar o ferry na Trafaria para me vires visitar. Apanhavas um ventinho nessa cara, desfazias o teu cabelo apanhado em banana e aterravas deste lado em passo de corrida. Eu ia esperar-te ali perto da casa do Presidente. Aí não. Ali à porta dos pastéis. Assim, sempre dava para corrermos em câmara lenta, um para o outro, e  um japonês qualquer que estivesse a sair dos Jerónimos, captava um instantâneo do nosso amor. Mas não, fica para outra dia, não é? Um dia em que decidas que é juntos que fazemos sentido.
Mas já me conheces minha querida, não sou de ficar parado. E mesmo não sendo engenheiro da NASA sei que estas coisas do amor são mais complicadas que dominar rocket science. Irei aprender às minhas custas e não vou desistir. Se calhar não apreciaste a fotografia que te enviei na última carta. Talvez seja do nariz, grande, que faz parte da arte da família desde Aljubarrota. Mas não o vou cortar. No outro dizia até me chamaram Depardieu, o que eu até achei um elogio. Cheira-me que isto ainda vai mudar um dia.
Maria Ivone, sim pela primeira vez chamo-te Maria, porque fica bem aqui. Depois podes tirar se não achares bem. Acho que ainda temos uma hipótese. Só depende de ti. Porque tenho medo da água e não tirei a carta. Ando a fazer terapia mas no es﷽﷽﷽﷽﷽﷽ em bem aqui. Depois podes tirar se nmudar um dia., que ainda temos uma hipessa cara, desfazias o teu cabelo apanhado ão está a resultar. Tenho de me esforçar mais para não adormecer no divã.
Penso em ti hora a hora, na cadência de saída dos ferrys. Vou continuar à espera à porta dos pastéis. Olho em frente a ver se vens. E para o lado a ver se há um japonês que faz do nosso amor, uma amor eterno. Quando ele acontecer.
Um beijo, até já.
Gerardo


(Carta escrita por Rui Simões, formadora do curso “Desformatar através da escrita” e de "Escrever com Inteligência Emocional". Este mês, não perca a resposta da Ivone, escrita por outro formador.)

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Gerardo, meu amor distante,
A tua última carta tardou mas veio. Curta e bizarra, como o amor que tens por mim — ou comigo, quando nos vemos. Sei que nesta altura, inevitavelmente, estarás a pensar qualquer coisa como «é a única coisa curta e bizarra que tenho» e, precisamente por faltar a mais elementar dose de bizarria ou originalidade a esse teu pensamento, gosto mais de ti por carta. Ages e escreves tão melhor do que pensas ou falas, Gerardo!
Não rasgues ainda esta carta. Se te parece agora que tudo isto é uma enorme queixa, desengana-te, por favor; é exatamente o contrário. Já irás perceber.
Assim que li «as tuas palavras muito meigas e agradáveis», senti que tinha chegado o momento de te revelar o que aprecio em ti e o que pretendo da nossa relação. Porque quero que a relação continue a funcionar, mesmo depois de eu perder a vontade de fazer este papel.
Sim, sou de facto bibliotecária e uso de facto lentes de fundo de garrafa. Sim, acho que me ficam bem as minhas saias de godés em fazenda, as blusas de popeline e o cabelo apanhado em banana. Se estivesse nos Estados Unidos, compraria tudo em thrift shops e iria a uma cabeleireira de subúrbio. Mas o meu gosto convencional e antiquado — ou rétro, se preferires — nada diz do que me atrai em privado. E o papel de menina bem comportada é só, ou quase só, um papel.
Não preciso que sejas engenheiro da NASA, ecologista, rico ou sequer sensível. Quero apenas que continues curto e bizarro como tens sido, e que acredites no que me escreveste sobre o que é amar uma pessoa: liberta-me até eu voar de novo para os teus braços, e ter-me-ás de volta recorrentemente — renovada, realimentada e imprevisível a cada novo regresso, como um vento alísio.
E tenho ou não tenho razão no que escrevi no início? Quando leste a palavra «curta» não pensaste em cinema, pois não? E pronto, agora pensaste. Num tipo de cinema específico. És muito previsível e eu gosto de ti assim. Porque só o és no que pensas ou dizes. E nunca no que escreves ou fazes.
Até breve,




(Carta escrita por Luís Miguel Viterbo, formadora do curso “Escrita Criativa”. Este mês, não perca a resposta do Gerardo, escrita por outro formador. )







                                                                                         Lisboa, março de 2013

Estimada Ivone,

(será “estimada” a melhor palavra para começar dentro das tal 400 mil que ela diz que existem? Se usar querida, ou meu amor, parece que não conheço mais nenhuma. Era preferível usar outra… Li uma vez que as palavras com som da letra “c” são mais fortes. Vou recomeçar.)

Ivone, minha Concubina
(soa bem…, mas o Priberam diz que isto quer dizer uma coisa que pode ser ofensiva... Ela chama-me “meu príncipe” e eu chamo-lhe garota da vida? Não pode ser.)

Ivone, baby
(ah, isto dá-me um ar cool. Cool e sedutor. Gerardo, El Matador. É adequado.)

Desculpa só estar a escrever-te agora, mas...

(não lhe posso contar que é porque fiquei nervoso com tanta prosa romântica…Deixa cá experimentar uma mentirinha de nada)

 ...tenho andado extremamente ocupado com o meu novo emprego no departamento de dinossauros da NASA. Além disso, continuo a fazer voluntariado na recuperação das ervas daninhas em extinção dos bairros históricos.

(ok, já mostrei que sou inteligente, sensível e culto. Será que chega para ela não se zangar?)


Achei as tuas palavras muito mimosas.

(bah, “mimosas”? Lembra manteiga, manteiga, vaquinhas. Nã, vaquinhas não pode ser.)

Achei as tuas palavras muito meigas e agradáveis. E sim, também eu desejo comer pão contigo, sentados no autocarro, a ver os pavões, mesmo que não haja azeitonas.
 (é melhor alinhar nas metáforas esquisitas dela. Deixa acrescentar mais uma da minha lavra.)

Quero pegar na tua mão e juntos, irmos comer Calippos de morango para a rotunda do Areeiro!
(que a do Marquês tem vias a mais e ainda nos distraímos. E depois, ela disse que gosta de coisas simples e disparatadas. Vai achar original, vai, vai.  Bom, isto agora acabava bem era com uma citação profunda.)

Amar alguém é libertá-la até voar de novo para os nossos braços, como dizia o Churchill.

(parece-me credível, mas política de Segunda Guerra Mundial pode desviar o espírito da coisa...)

Amar alguém é libertá-la até voar de novo para os nossos braços, como dizia o Bob Marley.

(perfeito!)

Esperando o nosso reencontro,
Gerardo

(Carta escrita por Susana Romana, formadora do curso “Escrita de Humor”. No próximo mês, não perca a resposta da Ivone, escrita por outro formador. )

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                                                                                          Lisboa, fevereiro de 2013

Gerardo, meu amigo, meu amor.


 Escrevo-te à procura de palavras. Li que na nossa língua existem mais de 400 mil! Imagino que devem portar-se como crianças travessas, escondendo-se e rindo de nós por não as descobrimos. Por isso, acabamos por usar só as mais preguiçosas, pesadonas, as que se deixam apanhar à primeira.

Digo, por exemplo, que te amo, que o meu coração vive no teu, que as minhas mãos têm a forma das tuas e logo ouço as gargalhadas das palavras mais espertas! Ali, escondidas, elas gritam que o nosso amor é afinal a tempestade depois da bonança e contam-me como o teu beijo me despertou para o mundo das coisas vivas, que ferem, queimam, encandeiam e fazem tremer de pânico e euforia os meus dias. E deixam-me perplexa e confusa.

            Troçam de mim: ”cartas de amor Como se atreve a pobre coitada! Pensará ela que tudo começa em maiúscula e acaba num ponto final?”Insisto, digo que estar contigo é como se estivesse de férias grandes, falo da ordem natural que existe entre nós, de como regressamos sempre um ao outro…

mas as palavras reviram os olhos, enjoadas, “por favooorr! Não consegues fazer melhor do que isso?”

            Eu amuo, zango-me à vezes faço greve. São as alturas em que fico em silêncio, só a ouvir-te. A ti, quem as palavras, já contaram todos os segredos. Tu que sabes onde ir buscar as mais belas, as mais dolorosas, as mais ocultas, que brincas com todas sem excepção.

Digo, vencida, meu sonho, meu príncipe, meu namorado…

E, bem vês, não te posso oferecer nem corações, nem bombons, nem rosas embrulhadas. Dou-te o sabor do pão fresco com um punhado de azeitonas, a manhã em que saí de casa e vi um pavão à nossa porta, o riso da senhora velhinha sentada ao colo do marido no autocarro de hoje, o perfume da alfazema a secar na varanda pequenina ou o sol, de certo meio dia, a atravessar as cortinas vermelhas. Coisas simples, disparatadas, como os gostos e os olhares que te entrego todos os dias, confiante que só tu lhes revelas o sentido.


Esperando sempre as tuas palavras,

Tua, Ivone.


(carta escrita por Cristina Borges, formadora do curso “Escrever cartas de amor”. A resposta a esta carta será escrita por outro formador, no próximo folheto. Não perca!)  

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